O leilão, na semana passada, de 37 blocos para exploração de petróleo pelo governo Temer por cerca de 3,5 mil milhões de euros no Windsor Barra, no Rio de Janeiro, foi ofuscado pela confusão entre cerca de 200 ambientalistas e os seguranças do hotel. "Fomos agredidos moral e fisicamente, mas isso não nos intimida porque somos vítimas de agressões diariamente nas nossas terras", queixou-se o cacique Kretã Kaingang, líder indígena que protestava contra a contaminação da água da região onde vive a sua tribo.
Dias antes, 600 mil paulistanos - ou seja, 5% da população da cidade de São Paulo - passaram o fim de semana sem acesso à televisão e às redes de telemóvel por causa de um corte nas antenas de telecomunicações. A ação foi reivindicada por índios guaranis, revoltados com a entrega à iniciativa privada das terras onde moram em condições precárias 700 membros da tribo, dos quais 400 são crianças, no Parque do Jaraguá, a apenas 20 quilómetros do centro da megalópole. "Foi a única solução pacífica para preservar a terra dos nossos antepassados", explicou o cacique Xondaro, um dos líderes da iniciativa.
Nos últimos dias de abril, a polícia do Maranhão, no Nordeste do Brasil, foi alertada para um ataque a uma aldeia por dezenas de homens armados com facões e pistolas de que resultaram 13 feridos, uns baleados, outros com as mãos decepadas. Segundo a investigação, os autores do ataque foram fazendeiros que tentavam recuperar 14 mil hectares de terras ocupadas por índios da etnia gamela. "Tudo porque em 2015 os índios retomaram terras, cansados de esperar por uma resolução do estado", lembrou Rosimeire Santos, coordenadora do Conselho Indigenista Missionário, alegando que a área em disputa foi concedida aos gamelas em 1759, ainda pela coroa portuguesa.
No mesmo mês, um grupo de índios de cinco etnias reocupou a Aldeia Maracanã, situada nas imediações do estádio do mesmo nome, em pleno Rio de Janeiro, depois de na noite de 22 de março de 2013 terem sido removidos pelas autoridades por causa das obras para o Mundial de futebol de 2014. "Tiraram--nos tudo o que tínhamos naquela hora, menos os espíritos", afirmou o cacique José Urutau Guajajara, um dos dos expulsos na ocasião, referindo-se ao facto de o então governador Sérgio Cabral e dos dois empresários envolvidos na operação, Marcelo Odebrecht e Eike Batista, terem acabado presos na Operação Lava-Jato por suposta ação de espíritos índios ancestrais.
Num país atravessado pela colossal Operação Lava-Jato, com parte significativa dos donos do PIB a braços com a justiça, em que quase todos os ex-presidentes, e o atual, são réus, denunciados ou investigados, e onde a economia bateu no fundo, a questão indígena passa discretamente pelos noticiários - aquelas quatro notícias, todas dos últimos seis meses, não fizeram manchetes nacionais nem internacionais.
Mesmo tendo em conta que, de acordo com o último volume de Povos Indígenas do Brasil, 13,8% do território do quinto maior país do mundo pertence aos indígenas e ainda há mais 104,8 mil quilómetros quadrados à espera de homologação. No total, quase um milhão de brasileiros são índios, de 305 povos diferentes e a falar 274 línguas distintas.
Desses, 17,5% desconhecem o português, um desconhecimento que é apenas parte dos sintomas e das consequências da inadaptação dos índios ao país onde, afinal, chegaram antes de toda a gente.
O que nos leva à quinta notícia sobre indígenas dos últimos meses: segundo estudo do Ministério da Saúde, há 30 suicídios diários no Brasil, sendo certo que os índios são três vezes mais vulneráveis ao problema do que os brancos ou os negros, revela a coordenadora Fátima Marinho. Entre eles, a faixa etária mais atingida, correspondendo a quase metade dos casos, é dos 10 aos 19 anos, os menos adaptados de todos. "Sentem-se vítimas da redução do seu espaço e das questões fundiárias e sentem dificuldade de conviver com dois mundos diferentes, entre a sua tradição e a sociedade ocidentalizada, que os discrimina."
Em São Paulo
https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/joao-almeida-moreira/interior/ma-sorte-ter-nascido-indio-8818703.html
Índios:Questão Indígena
Unidades de Conservação relacionadas
- UC Jaraguá (PES)
- TI Jaraguá
As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.