Raras riquezas

CB, Cidades, p.30 - 03/06/2005
Raras riquezas
Do camarão a miniorquídeas, o cerrado esconde preciosidades. E especialista diz que ainda há muito a descobrir
Rovênia Amorim
Devastado, o cerrado que sobrevive nas reservas ambientais do Distrito Federal esconde raridades da rica biodiversidade do bioma. Há espécies de plantas e animais que só são encontradas nos limites do quadrilátero, como o Podocarpus brasiliensis, um pinheiro típico da região andina que, segundo especialistas, desenvolveu-se no Planalto Central há 2,5 milhões de anos. Na fauna, são exemplos de raridades o pirá-brasília, que ficou famoso por disputar com o lobo-guaráo título de animal-símbolo da capital, e uma espécie de camarão encontrada nos córregos da Bacia do Paranoá. Esse camarão de água doce é um exemplo do passado”, diz o biólogo Mauro Lambert, pesquisador da Reserva Ecológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e especialista na fauna aquática do cerrado.
O Cryphiops brasiliensis tem corpo pequeno e patas dianteiras grandes, cor amarronzada e foi descoberto na década de 60. O parente mais próximo desse camarão está no Chile, o que prova que o ancestral deles viveu na nossa região antes da formação dos Andes e do Planalto Central’’, explica”.
O pirá-brasília (Cynolebias boitonet) é um peixe pequeno, de 8cm, descoberto em 1957, época em que a cidade começou a ser construída. Ganhou esse nome em homenagem à nova capital. É uma espécie sensível à poluição e chegou a ser considerado extinto na década de 80. Em 2002, no entanto, duas populações com cercade 100 peixes, machos e fêmeas, foram descobertas na reserva do IBGE, em São Sebastião, às margens da DF-001. O peixe foi coletado pela primeira vez numa vereda no Riacho Fundo, mas começou a desaparecer com a degradação do cerrado. Estudo da Unesco, divulgado em 2001, apontou que 80% das veredas do cerrado do DF já desapareceram. Em busca de águas puras, o pirá-brasília migrou para a reserva do IBGE. Pela sua beleza, era vendido como espécie de aquário.
Outro peixe, o Cetopsorhamdia molinae, é uma descoberta recente da
fauna aquática que vive no cerrado do Planalto Central. Foi coletado em 1996 pelo biólogo Mauro Lambert, também na Reserva Ecológica do IBGE. É um bagre pequeno. É raríssimo, nunca o encontrei em outras áreas do DF’’, comenta o estudioso”.
O pirá-brasília não foi a única espéciea receber um nome para homenagear a região ou uma personalidade da cidade. Descoberto na década de 80, o roedor Juscelinomys candango, descrito em 1965, é encontrado ainda hoje na Reserva Ecológica do IBGE e o nome é uma homenagem ao ex-presidente
Juscelino Kubitschek.
Brejo preto
O Podocarpus brasiliensis, conhecido como pinheiro bravo ou pinheirinho do brejo, é também típico do cerrado do DF. Especialistas da Universidade de Brasília (UnB) calculam que não passam de 20 os exemplares no Planalto Central. Em 1967, quando foi localizado pela primeira vez, o pinheiro chegou a ser confundido com o Pocarpus selowii, outra espécie já catalogada à época. Mas estudos norte-americanos confirmaram tratar-se mesmo de uma espécie típica do cerrado. A mata ciliar inundada da Reserva Ecológica do Guará, às margens da Estrada Parque Taguatinga–Guará (EPTG), espremida entre o Setor de Inflamáveis e o Setor de Indústria e Abastecimento, é um dos poucos locais onde o pinheiro é encontrado. Não é fácil chegar até ele. Abaixo do brejo de terra preta, há muita água. Um passo em falso e a pessoa afunda. O mateiro Francisco Paulo Rodrigues, 44 anos, afundou até o pescoço no lamaçal. Rapidamente, rolou o corpo e agarrou-se à raiz de uma árvore para sair do brejo. O pinheirinho também vive na Área de Proteção Ambiental (APA) de Cafuringa, entre Sobradinho e Brazlândia.
É um remanescente da época em que o clima do Planalto Central era frio e ocorre basicamente no DF’’, comenta a engenheira florestal e professora da UnB Jeanini Felfili. O Podocarpus brasiliensis foi identificado pela primeira vez pelo botânico Ezechias Heringer”.
Há 35 anos, ele levou cinco mudas para a praça em frente à Escola Classe 308 Sul, onde a filha Anajúlia Heringer, diretora do Jardim Botânico, estudava. A Reserva Ecológica do Guará, que não é protegida por cerca, guarda também espécies raras de orquídeas rasteiras.
De olhar treinado, Anajúlia identifica uma abenária que, de tão minúscula, confunde-se com o capim alto. São micro orquídeas. Só depois de ampliar a fotografia é que dá para ver a beleza da floração’’, comenta. A Reserva Ecológica do Guará é o local que mais concentra orquídeas no cerrado – são 75 espécies de abenária conhecidas. O pai da diretora descobriu espécies, como a Abenária heringeri, coletada pela primeira vez em 1964”.
Raras, espécies endêmicas do DF acabam não tendo nome popular por serem conhecidas apenas dos estudiosos. A Panicum subtiramulosum é uma gramínea que cresce em brejo. Como só floresce depois de incêndios e brejo é difícil de pegar fogo, só vi a floração dessa gramínea uma vez”, diz o botânico Tarciso Filgueiras, pesquisador que orienta teses de mestrado e doutorado das universidades de Brasília (UnB) e de Campinas (Unicamp). Outras espécies tornaram-se raras pela exploração predatória. A arnica, endêmica do cerrado, é um exemplo. Popularmente, cura hematomas e dores musculares. Pode ser encontrada no Jardim Botânico e nas áreas de proteção ambiental Capetinga, próximo à Fazenda Água Limpa da UnB, e Cafuringa. O cerrado é tão rico e diversificado que estamos apenas arranhando a superfície de algumas áreas de difícil acesso, como a APA da Cafuringa. Ainda há muito a descobrir’’, afirma o botânico Tarciso Filgueiras”.

Os sobreviventes
Podocarpus Brasiliensis
O pinheiro está basicamente restrito à Reserva Ecológica do Guará. Vive em mata ciliar inundada. Altura máxima: 12m.
Licnophora Ericoides (Arnica)
Explorada por raizeiros, pelo alto valor medicinal. Encontrada nas APAs do Capetinga e Cafuringa.
Cryphiops Brasilienses
Camarão Que só existe no cerrado do DF. É encontrado em afluentes da Bacia do Paranoá, como o córrego Taquara.
Cetopsorhamdia Molinae
Espécie de peixe descoberta em 1996 na Reserva Biológica do IBGE. É um bagre de 10cm, corpo preto e pinta branca.
Pirá-Brasília
O macho é vermelho com pontos azuis anis e a fêmea é cinza, com pontos pretos.
Panicum subtiramulosum
Espécie de gramínea só encontrada no DF, em área de brejo. É encontrada na Reserva Ambiental Cristo Redentor.
Abenária
Espécie de orquídea encontrada na Reserva Ecológica do Guará. Pequena e com floração amarela, a planta se confunde com o capim.
Scytalopus Novacapitalis
Conhecido como macuquinho de Brasília, é um pássaro endêmico raro no cerrado do DF. Foi descoberto em 1958 na Reserva Ecológica do IBGE.
Juscelinomys Candango
Roedor descoberto no DF vive na Reserva Ecológica do IBGE, ganhou o nome em homenagem a JK.

CB, 03/06/2005, p. 30
Cerrado

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Cafuringa
  • UC IBGE
  • UC Guará
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