Os 80 Anos do Velho Seringueiro

Página 20 - 07/02/2008
Com 80 anos de idade completados em janeiro, Antônio de Paula é muito popular em Cruzeiro do Sul e ao longo do rio Juruá até os domínios da reserva extrativista do Alto Juruá. Presença constante em eventos, reuniões, atos do movimento sindical, trabalhos voluntários o ex-seringueiro vê hoje com orgulho, no terceiro governo seguido do Partido dos Trabalhadores, a concretização de uma luta que também foi e continua sendo sua. Ele está sempre acompanhado da esposa, dona Eunice, companheira de mais de 50 anos. No final dos anos 1990, Antônio de Paula defendeu acirradamente o nome de Jorge Viana para o governo na reserva extrativista do Alto Juruá, onde trabalhava. Depois veio o conhecimento com outros companheiros: Marina Silva, Nilson Mourão, Bacurau, Tião Viana, Binho Marques...

Amigos preparam-se para fazer uma homenagem ao velho seringueiro em março e pelo menos o senador Tião Viana garantiu que estará presente. Com ajuda do filho Davi Nunes de Paula, o octogenário narra sua vida, desde quando nasceu no Ceará até os dias de hoje, observando a grandiosidade do rio Juruá, em mais uma cheia, desde sua casa no bairro da Várzea.

No dia 12 de janeiro de 1928, nasceu no sitio Góis, município de Nova Russas, Estado do Ceará, Antonio Francisco de Paula. Seu pai, Francisco de Paula Filho um pequeno criador, agricultor na ribeira do rio Góis, sua mãe Eucaria Maria da Conceição, dona de casa, auxiliava o esposo em suas lutas cotidianas.

Conta Antônio de Paula: "No ano de 1932, aos quatro anos de idade, acompanhei meu pai e minha mãe para trabalhar no avançamento da estrada de ferro de Crateús até Oiticica, extremo do Piauí com o Ceará, onde meu nome aparecia como barraqueiro na folha de pagamento, porém quem trabalhava era minha mãe. No final do mesmo ano retornamos ao nosso sítio e, em 1935, devido a uma grande inundação no nosso rio Góis, nos mudamos para a cidade de Ipú no pé da Serra Grande e depois para a cidade de Sobral. Finalmente, em 1936, viemos morar em Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, capital do Ceará.

Aos nove anos de idade as coisas não andavam lá muito bem e tive que me empregar pela primeira vez. Em 1938 fui morar com uma professora para aprender a ler, depois estudei no grupo escolar José de Alencar. Em 1942 tive que largar a escola para trabalhar em uma fábrica de produtos alimentícios. Em 1946 trabalhei nas obras públicas do porto. Em 1947 fui cobrador de prestações e no mesmo ano fui trabalhar em construção civil, onde exerci as funções de almoxarife, pagador, apontador, enfim, era, como se diz, o homem de confiança do mestre de obras até abril de 1950, quando a convite de uns parentes resolvi vir para o nosso querido Acre, no dia 5 de maio de 1950."

Vinda para o Acre

"No porto de Mucuripe embarquei no navio ‘O Santo’ com destino a Manaus, onde passamos 10 dias e, no dia 30 de maio, embarcamos no navio gaiola ‘O Jurupari’ com destino ao Alto Juruá. Vale lembrar que vim para o Acre a convite de primos que já moravam aqui. Eles foram visitar seus familiares no Ceará e, ao retornarem, vim com eles.

No dia 13 de junho de 1950, aportamos na cidade de Eirunepé. No dia seguinte voltamos para a foz do rio Tarauacá onde ficamos aguardando uma embarcação do seringalista Manoel Pedro de Oliveira, mais conhecido como Pedro Correia. A viagem foi demorada, gastamos seis dias para chegar à cidade de Tarauacá onde permanecemos mais seis dias. Depois subimos o rio Tarauacá num barco bem pequeno devido à seca no rio. Chegamos ao seringal Alagoas, já no dia 5 de julho, em canoas pequenas.

Fomos apresentados ao dono do seringal, eu e meu primo Olímpio. Os demais subiram no dia seguinte com destino ao seringal Massapé, enfim, comecei a cortar seringa no dia 06 de julho depois de receber algumas orientações de veteranos.

Ao longo da viagem comecei a perceber as diferenças. Eu morava na capital, Fortaleza. Não trabalhava com facão, enxada, não sabia remar, nem andava pela mata, não andava a pé, eu usava o transporte coletivo. Era a mesma coisa que começar outra vida aqui no Acre. Tudo era difícil para mim, mas com o tempo tive que aprender a fazer tudo. Tem um dito popular: quando o cearense chega aqui no Acre recebe logo o apelido de ‘brabo’ justamente por não saber fazer nada na região.

Voltando ao corte de seringa, fiz algumas bolas de borracha, trabalhando de metade com um veterano, dono da colocação. Minha chegada ao seringal chamou a atenção dos moradores. Fiz muitas amizades, era um cantador de samba, com um grande número de músicas novas. Dois meses tinham se passado. Até aí tudo bem, porém, no dia primeiro de setembro fui acometido de impaludismo, uma doença da região, que é a mesma malária de hoje, matou muitos cearenses. Fiquei enfermo, sem poder continuar o corte da seringa, e foi aí que recebi um convite para trabalhar como caixeiro no seringal Bagé, um paraná, afluente do rio Tejo. O dono do seringal, João Praxedes Brandão, me recebeu muito bem e comecei a trabalhar ali no dia 28 de fevereiro de 1951, onde morei 16 anos. Trabalhei como auxiliar de guarda-livros durante três anos. Nesse período conheci a moça que hoje é minha esposa Eunice. Depois cortei seringa por 12 anos. Em 1966, fui gerente do seringal Restauração e, de 1967 a 1968, tomei conta do seringal São Pedro, no Paraná dos Mouras. Em 1969, fui gerente do seringal Aquidaban, no Rio Moa. Em 1970, tomei conta do seringal Bom Jesus. Em 1972, voltei a cortar seringa no seringal Ponte Bela. Em 1974, fui convidado por um paulista, Neudair Bento, a gerenciar um movimento de uma pré-criação de uma fazenda na sede do seringal 15 de Novembro, no rio Azul, que terminou em abril de 1975 por motivo que até hoje ignoro. Continuei no ‘15 de Novembro’ ate 1987. Antes, porém, fui gerente do seringal São Salvador, no rio Moa, com o senhor José Davi de Souza, o seringalista, de 1979-1980. Nesse tempo já era simpatizante do movimento sindical e, em 1982, fiz um curso de agente de saúde e comecei a trabalhar nesse seringal ‘15 de Novembro’ como agente de saúde".

A luta política e a reserva extrativista

"Nessa época acompanhei o movimento político Arena/MDB e foi então que surgiu o Partido dos Trabalhadores, quando foi eleito o primeiro deputado estadual pelo PT em Cruzeiro do Sul, Ivan Melo. Em 1987, trabalhei na BR-307, no rio Boa Fé, como gerente do seringal São João. Em 1989, já simpatizante do PT, acompanhei a campanha do companheiro Lula, Jorge Viana, Marina Silva, Nilson Mourão, Bacurau.

Em 1990, na reserva extrativista do Alto Juruá, onde trabalhava como auxiliar de gerente-geral da Associação dos Seringueiros e Agricultores da Reserva Extrativista do Alto Juruá (Asareaj). Fizemos uma campanha acirrada para o companheiro Jorge Viana. Nesse mesmo tempo, a gente cuidava da organização da reserva extrativista do Alto Juruá. No dia 20 de Maio de 1992 fundei a comissão provisória do Partido dos Trabalhadores no município de Marechal Thaumaturgo, na foz do rio Tejo. Embora nossa organização na época não fosse muito forte, lançamos um candidato a prefeito e dois candidatos a vereador. Pouca gente gostava do PT e perdemos a eleição, mas continuei trabalhando na reserva, fui nomeado coordenador do projeto Vida e Saúde da Asareaj do dia primeiro de julho de 1992.

Em 1994, fui eleito secretário-geral da Asareaj, na chapa do Chico Ginú, que foi eleito presidente. Mesmo assim continuei na coordenação do projeto de saúde. Em 27 de Abril de 1996, por ocasião da sétima assembléia-geral, fui eleito presidente da Asareaj com um mandato de 3 anos. Foi um evento muito importante: dos 319 votos válidos, 312 votaram a meu favor. Minha equipe de colaboradores era muito boa. Fiz um trabalho que até hoje é lembrado.

Ocupando estas funções, das quais já falei, fiz muitas viagens representando os seringueiros e agricultores e ribeirinhos da reserva extrativista do Alto Juruá, participei de muitos seminários e oficinas e outros eventos em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, sempre lutando por dias melhores para nossa gente. Sempre tive um bom relacionamento com nossos políticos e autoridades. Todos sempre se mostraram ótimos companheiros. O governador Jorge Viana sempre mostrou uma atenção especial ao povo da reserva extrativista, bem como a todo o vale do Juruá. Nossa senadora Marina Silva, hoje ministra do Meio Ambiente, compareceu a duas assembléias, convidada por nós, sempre foi uma pessoa muito especial. O senador Tião Viana, levou o programa Saúde Itinerante para diversos lugares do Juruá, inclusive para a reserva extrativista.

No ano 2000, fui candidato a vereador em Thaumaturgo, mas não fui eleito. Geralmente, lideranças e trabalhadores rurais sempre perdem eleições. Fiz algumas viagens para o exterior, representando os seringueiros. Em 1995, visitei a cidade de Riberalta na Bolívia, em troca de experiências do programa ‘Saúde sem Limites’. Em setembro de 1996, participei da VII Semana da Amazônia na cidade de Nova Iorque, também representando os seringueiros.

Em 2005, estive em Pucalpa com o grupo de trabalho transfronteiriço. Participei da I Conferência Nacional do Meio Ambiente, no dia 30 de novembro de 2006, em Brasília. De 29 de junho até o dia 2 de julho participei da IX Conferência Nacional dos Direitos Humanos, no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, em Brasília.

No dia 20 de janeiro de 1954, casei-me com dona Eunice Herculano Nunes, na capela de São Sebastião, cidade de Marechal Thaumaturgo. Constituí uma família de 13 filhos, dos quais 3 são falecidos. Atualmente moram comigo minha esposa e dois netos".
UC:Reserva Extrativista

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Alto Juruá
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.